´POLÍCIA FERROVIÁRIA FEDERAL

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quarta-feira, 18 de julho de 2012


 
A nova lei de entorpecentes aumentou o número de pessoas presas por uso?
Matéria de capa da Folha de hoje (25/7/11):

Lei antidrogas aumenta lotação carcerária 
Nova legislação aumentou prisões no país, mas deveria resultar em penas comunitárias, afirmam especialistas

(...)
Às vésperas de completar cinco anos, no próximo mês, a lei provocou o efeito contrário ao previsto: é a responsável pela superlotação de presídios, dizem especialistas.
A ideia original era que usuários fossem encaminhados para prestar serviços comunitários ou para assistir palestras sobre drogas - a internação compulsória é vetada no Brasil.
Entre 2006 e 2010, a população carcerária cresceu 37%, segundo o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), do Ministério da Justiça. O índice equivale a mais de dez vezes a proporção de aumento da população no período (2,5%).
O número dos presos por tráfico no país saltou de 39.700 para 86.591 entre 2006 e 2010 - um aumento de 118%, segundo o Depen.
Em todo o país, havia no ano passado 496.251 presos.
O tráfico aumentou nesses cinco anos, mas a explosão de prisões é resultado da mudança da lei, segundo Luciana Boiteux, professora de direito da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Há duas razões para explicar o aumento, segundo ela: a pena mínima para traficantes cresceu de três para cinco anos e os juízes estão condenando usuários como traficantes. ‘A lei deixou um poder muito grande na mão de policiais e juízes, e eles têm sido muito conservadores’


Podemos aprender várias coisas com essa matéria, mas principalmente como formular nossas opiniões a respeito de políticas de segurança pública:

Primeiro, quem está sendo preso são os traficantes e não os usuários. Não há como prender o usuário porque a lei não permite. Se algum magistrado condenasse um usuário a ser presto ele estaria cometendo um delito: abuso de autoridade.

A lei não diz a partir de quantas gramas de cada droga alguém deixa de ser usuário e passa a ser traficante. Isso fica, inicialmente, a critério de quem efetua a prisão (polícia) e, posteriormente, do magistrado que julgará o caso. 
Mas esse não é um problema dessa nova lei, ao contrário do que a pessoa entrevistada deu a entender. A lei anterior era idêntica nesse ponto. Logo, não há como atribuir o aumento do número de prisões à nova lei não estabelecer limites mínimos para que a pessoa seja punida como traficante. Reparem abaixo que nem a lei nova nem a lei antiga falam de quantidades  partir da qual alguém passa a ser traficante:

Lei antiga (6.368/76): "Art. 12. Importar ou exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda ou oferecer, fornecer ainda que gratuitamente, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a consumo substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar
Pena - Reclusão, de 3  a 15 anos, e pagamento de 50 a 360 dias-multa"
Lei nova (11.343/06): "Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:
Pena - reclusão de 5 a 15 anos e pagamento de 500 a 1.500 dias-multa"

Existe uma outra possibilidade de a lei ser culpada: a lei não aumentou a pena máxima, mas aumentou a pena mínima, certo? Então será se é possível que esse aumento tenha gerado o aumentou da população carcerária em 37%?
Vamos fazer as contas para ver se a nova lei pode ser culpada: a média da pena na lei antiga eram 9 anos (média entre 3 e 15 anos). A média da lei nova é 10 anos (média entre 5 e 15 anos). Alguns traficantes receberão penas menores e outros maiores do que a média, mas, na média, recebiam 9 anos pela lei antiga e 10 anos pela lei nova (é o que em estatística nós chamamos de distribuição normal). Logo, se olharmos a média nos primeiros 5 anos, ela não modificaria porque a diferença vai aparecer apenas entre os anos 9 e 10 depois da implantação da lei, quando quem deveria sair com 9 anos agora vai sair apenas depois de cumprir 10 anos. Ou seja, será apenas em 2016 que o aumento da pena mínima para traficantes vai provocar um inchaço na penitenciárias. E esse inchaço deverá ficar entre 7% e 11%, e não em 37%. Logo, novamente, a nova lei não pode ter sido culpada do aumento atual.

Bem, se não dá para dizer que o aumento foi provocado pela lei, o que pode ter provocado? Existem diversas explicações possíveis, mas duas justificam porque mais pessoas estejam sendo condenadas por tráfico:

Primeiro, a polícia está mais eficiente em efetuar prisões de traficantes e o judiciário em condenar. Embora possa parecer estranho para algumas pessoas, a polícia tem, de fato, prendido mais em vários tipos de crimes. O tráfico é uma área especialmente visada porque é o que alguns cientistas sociais chamam de crime de entrada, ou seja, as drogas, segundo esses cientistas sociais, levam as pessoas a cometerem outros crimes para financiarem seus vícios ou conseguirem o dinheiro para virarem traficante. Da próxima vez que estiver lendo o jornal, repare quantas vezes você verá que quem roubou ou cometeu o latrocínio também tinha conexões com drogas.

Segundo, embora a nova lei seja idêntica à antiga lei em não estabelecer quantias a partir da qual a pessoa passa a ser traficante, quem instrumentaliza a lei (polícia, Ministério Público e Judiciário) pode, sim, ter mudado sua forma de interpretá-la e estar sendo mais rígido tanto na interpretação da lei quanto do fato que está gerando a aplicação da lei. Se isso é consequência de maior conservadorismo (como dito na matéria) ou maior interesse em proteger a sociedade, ou qualquer outra razão, fica a critério de cada leitor decidir. Mas reparem que um maior rigor na interpretação da lei não significa que a nova lei seja quem causou o aumento no rigor de sua interpretação. Ela simplesmente não diz como quer ser interpretada.

PS: Apenas para lembrar, ao contrário do que diz a matéria, existe internação compulsória no Brasil, sim. A regra é simples: se o crime é apenado com pena de reclusão (ou seja, é um delito grave), e quem o cometeu for louco, ele deverá ser internado. Se o delito não é apenado com reclusão, ou seja, se é um delito mais brando, a pessoa que o cometeu deverá ser submetida a tratamento ambulatorial, se for louca. O que a matéria quis dizer é que não há internação compulsória no caso do usuário de drogas, porque a nova lei passou a considerar esse delito um delito menos grave.

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